sábado, 19 de dezembro de 2009

Reencontro


Os passos ecoavam pelo assoalho da sala vazia. Um enorme apartamento Studio. Paredes velhas mas e daí? O passado e as memórias são repletos delas. Paredes descascadas e sujas ou mesmo aquelas eternamente maqueadas para que pareça algo lindo e límpido, mas tudo não passa do que já foi. Ele preferia manter tudo exatamente intocável. Não importava quantos inquilinos estiveram por ali antes dele. As reclamações sempre seriam as mesmas e os efeitos também. Ajeitava o casaco surrado antes de deixar-se sentar na poltrona em frente a larga janela. O que podia ver dali? Nada. Mas se sentia bem em pela primeira vez após tanto tempo não ver ninguém, nem escutar a cidade e seus problemas chorando em seu ouvido. Um sorriso lento e débil que se desmanchava quando o liquido quente fluía da xícara para os lábios.

- É um bom lugar.. meio démodé.. mas um bom lugar.

Escutou a voz atrás de si.. e daí que ele sempre estaria ali com seu jeito senhor de si e dono da situação? Parecia antever seus passos quando queria.

- E você agora entende de decoração... se quiser o numero do decorador posso te dar o cartão qualquer dia...

O sorriso acentuado do homem de terno atrás de si se fez escutar. Sempre achou engraçado como não fazia ruído ao se mover. Ladino. Mas não adiantaria. Ao menos pra ele não havia elemento surpresa.

- Um pouco alto, não acha? – Indagava aproximando-se da janela engordurada e suja. Esticava o pescoço na idéia de talvez enxergar as luzes La embaixo, mas nem mesmo o cinza denso da neblina permitia.

- Assim não escuto o ruído do metrô... – respondia sem tirar os olhos da fumaça do café quente. A voz saia sem vida, seca.. Não estava para conversas. Queria aproveitar apenas para ouvir o barulho da chuva que começava a cair pesadamente sobre o seu telhado.

O homem de terno virou-se em sua direção, esfregava o dedo um no outro como se quisesse tirar os resquícios de gordura da janela.

- Não vai poder ficar para sempre aqui.... revirar o pó de coisas velhas nem sempre faz bem, e você sabe disso. Cada vez que volta, muda tudo de lugar, para não enxergar mais o que foi deixado aqui guardado..mas a essência.. o odor impregnado nas paredes.. – caminhava lentamente para o lado da poltrona.. os lábios frios e pálidos beiravam a tocar-lhe o lóbulo – a tinta descascada.. o barulho do assoalho.. o cheiro de coisa velha e putrefe.. esta impregnado por aqui.. e o espelho.. aquele espelho quebrado que teima em cobrir com um pano.. ele sempre.. sempre vai refletir a sua imagem meu amigo..sempre.. não importa o quanto você não queira ver.. sempre vai mostrar o que e quem você é...

E erguia-se.. sabia que a resposta viria. E talvez de forma violenta. A cicatriz no rosto era prova concreta da fúria provocada outrora. Mas inacreditavelmente, daquela vez ele não levantou. Permaneceu calado a aspirar o odor do café quente.. e mais um gole foi sorvido.

- Feche a porta quando sair.

4 comentários:

  1. Covardia tua, em chegar de mansinho, sussurrando ao meu ouvido que novas linhas surgiam.
    Covardia tua, de prender meus olhos a cada linha, de prender minha respiração até o último ato e deixar-me desejosa de ler mais.
    Mas saiba, meu querido irmão, que ainda tens o dom de escrever e cativar, tens um dom que devia se mostrar mais vezes, pois despertas a curiosidade sobre suas duas personagens, fazendo-me indagar quem são eles, e que ao mesmo tempo me parecem, de certa forma, velhos conhecidos das lembranças trancafiadas em vidas de outrora?
    Cantinho cativado e seja bem vindo novamente ao mundo das letras.

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  2. Nem sei como cheguei aqui, mas adoro blog novo!
    Tem um cheiro de novo, e tudo é uma estréia.
    Fiquei curiosa também com sua história, espero que ela tenha uma continuação. E devo dizer que vc é muito bom p descrições.

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  3. Tyr: E que graça teria se tivesse anunciado aos ventos que algo novo poderia brotar? Esqueceu que este irmão adora o elemento surpresa que o sonhar reserva? rs. Obrigado pelo carinho mana.

    A menina: Não importa os meios desde que os fins valham a pena. Espero que goste do meu canto complexo de confusões da alma. ;) bem vinda!

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  4. Nenhuma graça teria, isto é verdade meu irmão, pois se anunciasses aos quatro ventos que um novo canto brotaria, canto este que fascina. Não serias o irmão que tão bem conheço e que gosta de surpreender. Aguardo mais sussurrares que pegam os leitores desprevenidos.

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